quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

A HIGIENE ÍNTIMA DA MULHER IDOSA

Composição com lenço de rendas e objetos próprios do cuidado feminino

ENTREVISTA
com Christine Ranier Gusman, enfermeira graduada pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo em 1998, especialista em Enfermagem Obstétrica pelo Centro Universitário Luterano de Palmas (TO), mestre em Saúde Pública, doutora em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de São Paulo. É docente da Universidade Federal do Tocantins, desde 2007. Para se manter em contato com a população feminina, além das tarefas práticas próprias do ensino superior, que executa há cerca de 20 anos, trabalha num projeto relacionado ao parto, nascimento e amamentação.

MRF - Como muitas atividades humanas ligadas à intimidade da mulher, esse assunto ainda é um tema tabu? Entre as idosas há muita ignorância sobre o assunto?
CRG - A verdade é que um número considerável de mulheres, especialmente as de mais idade, pode nunca ter sido orientada adequadamente quanto à realização da higiene íntima. Isso acontece porque o universo feminino sempre foi cercado de mitos e tabus aliados à pouca informação sobre o funcionamento desse corpo tão complexo. Ainda temos muitas mulheres com vergonha de tocar suas partes íntimas, mesmo que seja para a realização da limpeza cotidiana. Então o primeiro passo é vencer essa barreira consigo mesma e passar a conhecer seu corpo de forma tátil, explorando todos os cantos, incluindo as dobras presentes nos seios e região da vulva e vagina. Não se deve utilizar esponja, cotonete ou nenhum outro apetrecho para a limpeza, sob o risco de provocar ferimentos. Os dedos deslizam com mais suavidade e mobilidade entre as dobras da pele. A pele com a idade vai-se tornando mais fina, frágil e vulnerável.
MRF - Qual a frequência dessa higiene e quais os motivos?
CRG - A higiene íntima, assim como tomar banho, deve ser diária. Além de eliminar odores, o asseio previne infecções e a proliferação de fungos, sobretudo em nós mulheres, que temos a anatomia genital mais recolhida. A vagina possui uma proteção natural, formada por bactérias benéficas (os Lactobacillos casei) que formam a chamada “flora vaginal”. Essas bactérias são responsáveis por manterem o ambiente mais ácido, impedindo a proliferação de outros micro-organismos danosos (fungos, bactérias) que não conseguem se multiplicar nesse meio. Por esse motivo, a escolha do sabonete é essencial, já que os sabonetes comuns podem diminuir a acidez da vagina e facilitar o crescimento de fungos e bactérias indesejáveis, provocando coceira, ardor, irritação e corrimento. Optar por um sabonete indicado para higiene íntima é fundamental para a mulher idosa, uma vez que ocorre diminuição da população de Lactobacillos casei após a menopausa, deixando naturalmente o ambiente menos ácido e, portanto, menos protegido. Nesse caso, o sabonete íntimo em sua versão líquida é o mais recomendado; o sabonete em barra pode acumular sujidades e ser compartilhado com outras pessoas, sendo desaconselhável seu uso para esse fim. As mulheres que fazem uso de absorventes diários, como nos casos de incontinência urinária, precisam intensificar a higiene íntima e realizá-la 3 ou mais vezes ao dia; o escape de urina pode manter o meio úmido e facilitar a proliferação de fungos e outras bactérias. Aconselhamos incluir, na rotina diária, o uso de lenços umedecidos (como aqueles utilizados em bebês) após urinar ou evacuar. O lenço não é áspero e evita o acúmulo de restos de papel.
MRF - Além dos cuidados com a frequência da higiene íntima, quais outros cuidados você aconselha?
CRG - Nos casos de infecção urinária, que nas idosas é 50% mais frequente, um dos agentes infecciosos mais encontrados são aqueles presentes nas fezes. Assim, o sentido em que se deve realizar a limpeza, com o papel, lenço ou durante a higiene com água e sabonete, é sempre da vagina para o ânus (da frente para trás). Isso impede que micro-organismos presentes no intestino se desloquem para a região vaginal. Outro importante cuidado refere-se à vulva que deve ter sua parte externa muito bem enxaguada após o banho e bem seca com uma toalha macia e limpa.  Entretanto, não é necessário nem desejável tentar lavar a parte interna. Da mesma forma, não se deve demorar mais que 2 ou 3 minutos na lavagem íntima sob pena de provocar ressecamentos e traumas na região.
MRF – Além da higiene na região genital (já vista na parte I), quais outros aspectos são importantes na higiene da mulher idosa?
CRG - Os seios devem ser lembrados e lavados com cuidado com água e sabão, explorando bem a dobra debaixo do seio que deve ser bem enxaguada e seca completamente. Para colaborar com a manutenção da saúde íntima a escolha da roupa é fundamental. A primeira providência é livrar-se das calcinhas e roupas apertadas, sempre que puder. Estudos demonstram que roupas muito justas, além de não permitirem a ventilação desejada, ainda comprimem a pele da vulva, promovendo oclusão, fricção e compressão, dificultando a circulação local. Potencialmente, podem alterar a temperatura, a umidade e o equilíbrio acidobásico locais. Na lavagem da roupa, lembre-se de enxaguar muito bem as peças para não ficarem restos de produtos de limpeza (amaciantes, sabão em pó ou líquido, etc) que possam prejudicar a sensível pele das idosas. 
 Vejam só que interessante, dormir sem calcinha é um hábito bastante benéfico, uma vez que evita a umidade excessiva e futuros problemas. O uso de sutiãs firmes no dia a dia, porém sem causar muita compressão, é outra medida importante; evite modelos com arames que podem machucar a parte inferior dos seios. A prevenção continua sendo sempre o melhor caminho, porque auxilia as pessoas a serem mais independentes e saudáveis. Vamos tirar as saias e vestidos dos armários e sair por aí ajudando a ventilar o corpo.
 MRF – A frequência das visitas ao médico ginecologista para controle da saúde é alterada com a idade da cliente? O que é aconselhável fazer?
CRG –. A maior parte dos ginecologistas recomenda que a idosa deve consultar um especialista, no mínimo, uma vez ao ano para os controles médicos gerais. No entanto, sempre que existirem queixas, observações que resultam em dúvidas, imprevistos que tenham relação com as funções femininas, alterações ou lesões percebidas, consultar o especialista é o mais seguro.  Há um mito, entre as mulheres, que mulheres idosas não precisam ir ao ginecologista após a menopausa. Essa ideia, além de falsa, é muito perigosa porque dificulta que a mulher frequente um dos profissionais que melhor a ajudará a ter uma vida mais saudável e com mais qualidade. 
MRF – Estes cuidados citados são fundamentados em pesquisas científicas?
CRG – Sim, há diversas publicações científicas, nacionais e internacionais, apontando aspectos da higiene íntima e sua relação com a ocorrências de lesões, infecções, incômodos e adoecimentos.  Em 2009, a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) lançou o Guia Prático de Condutas sobre a Higiene Íntima Feminina cujas orientações apoiam-se em cerca de 120 estudos científicos sobre o tema e mantem-se como referência até ao momento.  Entretanto é importante apontar que ainda se conhece pouco sobre as particularidades de saúde da mulher idosa.
MRF – Para terminar a nossa entrevista, qual a mensagem a enviar aos nossos leitores?
CRG - Nunca é tarde para (re)aprender e melhorar o nosso autocuidado, a nossa saúde e o nosso bem-estar. Compartilhe estas informações para que um maior número de pessoas tenha mais conhecimento e, consequentemente, possa ser mais saudável.





quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

A ACADEMIA DE EXERCÍCIOS FÍSICOS E OS IDOSOS

Registo de figura antiga de Nossa Senhora da Saúde, Séc. XX
 ENTREVISTA
com Luiz Sinésio Silva Neto, 33 anos, graduado em Educação Física, com mestrado em Gerontologia e doutorado em Ciências e Tecnologias em Saúde pela Universidade de Brasília. Desde 2011, é docente da Medicina da Universidade Federal do Tocantins, Coordena a Universidade da Maturidade e o Laboratório de Exercício Físico e Envelhecimento Humano (uma academia para atendimento dos idosos e para a realização de pesquisas). É Presidente da Associação Brasileira de Alzheimer, regional do Tocantins.
MRF – Com base no seu conhecimento e na sua experiência, quais os cuidados preliminares que os especialistas recomendam para a execução, adequada aos idosos, de um programa de musculação?
LSSN – O mais importante é a consciência da necessidade de individualização da prescrição do exercício, ou seja, o exercício tem a “dose exata” para cada indivíduo de muita idade e só pode ser prescrita após rigorosas avaliações. A academia deve exigir um atestado médico de aptidão para realizar os exercícios e o profissional de educação física deve preencher um formulário com todos os dados do cliente, necessários às decisões próprias da sua área. Para tanto, esse profissional deve ser graduado em Educação Física, ter cursado uma especialização em gerontologia e/ou ter experiência comprovada com idosos, estar atualizado e ter uma boa comunicação o que inclui o saber estimular o idoso a opinar e indicar suas preferências. Note-se que a periodicidade dessas avaliações fica a critério do médico e dos profissionais de educação física, de acordo com as especificidades de cada caso.
            Com base nas informações de saúde obtidas, o profissional pode programar o treino considerando os objetivos do cliente, o grau de intensidade, as cargas, os tipos de exercícios, a frequência, os intervalos entre as séries e outras especificidades. Em geral, os programas são progressivos, aumentando a carga e a frequência de forma gradual. Também é importante que o cliente participe ativamente da programação, ajudando na escolha dos parâmetros dos exercícios e na calibração das progressões. A literatura científica recomenda realizar treinamentos, pelo menos, 2 vezes por semana, começar com pesos mais leves e maior número de repetições e ir aumentando os pesos e diminuindo as repetições. A duração das sessões deve somar, aproximadamente, 150 minutos por semana.  O descanso entre as séries, na maioria das vezes, entre 1-3 minutos, pode contribuir para uma recuperação melhor e para ganhos de força máxima.
            Essa programação tem a finalidade de ajudar todos os músculos a conservarem e a desenvolverem seu funcionamento saudável e a variação periódica dos exercícios concorre para que um maior número de unidades musculares seja trabalhado.

MRF – Para o período durante o treino propriamente dito, quais as suas recomendações?
LSSN – Uma importante recomendação é que sejam seguidas as orientações dos profissionais, por mais simples que sejam, em todas as etapas dos exercícios. Os clientes devem conversar com seus professores para que todas as atividades realizadas sejam adequadas à preservação de sua saúde.
            Os exercícios de alongamento devem ser observados com rigor, nas fases iniciais e finais dos treinos uma vez que o tecido dos músculos, dos tendões e das articulações já  está mais fragilizado nos indivíduos idosos e os alongamentos preparam esses tecidos para as tensões a que serão submetidos durante o treino, bem como para o relaxamento final.
            Sugerimos, também, que os frequentadores da academia não comecem e terminem seus treinos sem lavar as mãos (ou usar álcool em gel) e verificar se os aparelhos de ginástica estão limpos. Afinal, a rotatividade de pessoas é grande e o idoso é mais vulnerável às infecções que possam ser transmitidas por outras pessoas.
            Outra recomendação é sobre a hidratação. O Colégio Americano de Medicina do Esporte sugere que se deve ingerir cerca de 500 ml de líquidos nas duas horas que antecedem os treinos e, durante as sessões um pouco de líquido a cada 20 minutos aproximadamente. No entanto, é bom lembrar que não se deve exagerar e que as quantias devem ser apenas suficientes para repor as perdas pelo suor. A mesma fonte destaca que a necessidade de líquidos e componentes (carboidratos e eletrólitos) depende da intensidade e duração dos treinos, das condições climáticas externas e dentro da própria academia e estimula os clientes a pedirem orientação aos professores.

MRF – O que o você sugere em relação à roupa e calçado apropriados à academia?
LSSN – A meu ver, é importante o frequentador da academia usar a roupa e o calçado que o faça sentir-se bem. Entretanto, as roupas escolhidas devem ajustar-se ao corpo para não correrem o risco de se prenderem em alguma parte das máquinas usadas e ter elasticidade suficiente para não bloquear os movimentos. Os tênis devem ser de boa qualidade e ajustados para o formato dos pés do usuário. As pesquisas têm demonstrado que o ajuste adequado do tênis aos pés melhora a função física, previne lesões, evita quedas e aumenta a tolerância ao exercício. Também se aconselha a não usarem anéis e pulseiras que possam ocasionar acidentes com as máquinas.

MRF – Para terminar esta conversa, gostaria de pedir para nos explicar por que a fase de repouso ou descanso é importante para se obter “ganhos de força máxima”.
LSSN – Os cuidados pós-exercício são chamados “recuperação” e também considerados parte do treino. Pesquisas com idosos praticantes de musculação demonstraram que a ingestão de carboidratos e de proteínas, após o exercício, são essenciais ao restabelecimento muscular, ou seja, para os músculos obterem força.  Da mesma forma, pesquisas mostraram que o sono é fundamental para essa obtenção da força que ocorre exatamente nos períodos de descanso.
            Como mensagem final, lembro a todos os idosos que a vida não reconhece a inatividade.




quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Uma história sobre Vacinas (II)


Para quebrar a monotonia e fugir da rotina, apresento-lhes um texto de um autor do Séc. XIX, a título de curiosidade.
 
 
 Jussieu, M de - História de Simão de Nantua ou O mercador de feiras. Traduazido por Philipe Pereira D' Araujo e Castro. Editado na Tipografia de Luiz Correia da Cunha. Lisboa. 1852.

Uma história de Simão de Nantua sobre a história das vacinas*
Capítulo XIII – Simão de Nantua faz uma proclamação sobre a história da vacina ___________________________________________________________________
Quem é Simão de Nantua? É o protagonista das histórias escritas no livro “História de Simão de Nantua” ou “O mercador de feiras”, obra a quem a Sociedade de Instrução Elementar, estabelecida em Paris, conferiu o prêmio destinado, por um anônimo que se presume ser o Duque de La Rochefoucauld, para o livro que parecesse mais conveniente à instrução moral e civil dos moradores da cidade e do campo. A primeira edição deve ter saído em 1817 ou 1818.
Esse livro foi traduzido para a língua portuguesa por Philippe Pereira D’Araújo e Castro e publicado, em Lisboa, na tipografia de Luiz Correia da Cunha, em 1852.
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­­­­            Entrando na cidadede Bar-sur-Aube, Simão de Nantua parou de repente diante de uma casa a cuja entrada estava assentada uma menina. Eu** não pude logo saber qual poderia ser o motivo da indignação que observava nos olhos do meu companheiro; mas não tardei muito a descobrir que a menina que ele examinava estava com o rosto coberto de marcas vermelhas, e adivinhei o pensamento de Simão de Nantua. Este entra e pergunta pela mãe da menina. Esta menina pertence-vos? Diz ele. – Sim, Senhor. Como é possível que havendo estabelecimentos públicos para a vacinação, espereis que venham as bexigas*** naturais ameaçar a existência de vossos filhos! Não sabeis o que é uma vacina?
Enquanto Simão de Nantua assim falava, nós ouvimos um tambor na rua. - Que é isto? Diz Simão de Nantua. “Parece que é para dar algum aviso da parte do prefeito”.
Os que iam passando paravam para ouvir o que lhes pretendia anunciar, e formavam um círculo no meio da rua. Logo que o tambor acabou o seu rufo, Simão de Nantua exclamou nestes termos: “sabeis como surgiu a vacina?” Observo alguns dentre vós que parecem desconfiar deste preservativo. Vou dizer-lhes como ela foi descoberta.
            “Havia na Escócia um médico chamado Jenner que tinha observado com muita atenção os estragos da doença das bexigas e procurava, havia muito tempo, algum meio de suavizar um flagelo tão funesto à espécie humana”.
“Ele não tinha podido descobrir nada, quando percebeu que os pastores do país, classe muito numerosa na Escócia, apareciam algumas vezes com borbulhas (pequenas vesículas) semelhantes às que aparecem nas tetas das vacas. Fez perguntas aos pastores e soube que quem sofria esta enfermidade nunca padecia a das bexigas. Ao mesmo tempo, um francês chamado Rabaud, habitante de Montpellier, tinha feito a mesma observação, e falou dela a um médico inglês, o qual o comunicou imediatamente ao médico escocês. Jenner fez logo experiências em que reconheceu e confirmou que as observações de Rabaud e suas estavam bem fundamentadas. Então fez conhecer a descoberta e todos os médicos confirmaram como novas experiências aquelas que Jenner havia feito. Chegaram a deitar uma criança vacinada com outra muito doente de bexigas e o mal não se comunicou”.
“Há quem diga que a vacina causa outras moléstias. Os insensatos assim o creem, mas isso são contos. A verdade do caso é que a vacina livra de bexigas naturais. É tal o benefício que daqui resultou que todo o mundo deveria saber os nomes do Escocês Jenner e do Francês Rabaud para os repetir sempre com reconhecimento em todos os países”. Eu já vos disse que todos aqueles que não fizessem vacinar seus filhos se arrependerão”.
Simão de Nantua tinha chamado para si uma grande atenção. O orador da prefeitura o tinha escutado com admiração e não interrompeu o seu discurso. Quando Simão acabou de falar e, ao final disse para Simão: tanto vós fizeste bem que eu mesmo já não tenho mais o que dizer. Porque a minha proclamação não tinha outro objeto do que anunciar aos habitantes que o mal das bexigas ameaçava o país e convidá-los a prevenirem-se contra esse mal. Vós tendes falado mais energicamente do que eu o poderia fazer, o que vos agradeço muito. – “Não há de quê, senhor; isto saiu do meu coração”.
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*Nota da autora do blog – a ortografia foi atualizada, mas as palavras e o estilo, com raras exceções, foram mantidos.
**Nota da autora do blog – a história é narrada por um amigo e companheiro das viagens de Simão pelas feiras de mercadorias que aconteciam nas aldeias da França.
***Nota da autora do blog – “doença das bexigas” era a denominação popular europeia da varíola no Séc. XIX.