Composição com lenço de rendas e objetos próprios do cuidado feminino |
ENTREVISTA
com Christine Ranier Gusman, enfermeira graduada
pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo em
1998, especialista em Enfermagem Obstétrica pelo Centro Universitário Luterano
de Palmas (TO), mestre em Saúde Pública, doutora em Saúde Coletiva pela
Universidade Federal de São Paulo. É docente da Universidade Federal do
Tocantins, desde 2007. Para se manter em contato com a população feminina, além
das tarefas práticas próprias do ensino superior, que executa há cerca de 20
anos, trabalha num projeto relacionado ao parto, nascimento e amamentação.
MRF - Como muitas
atividades humanas ligadas à intimidade da mulher, esse assunto ainda é um tema
tabu? Entre as idosas há muita ignorância sobre o assunto?
CRG - A verdade é que um número considerável de
mulheres, especialmente as de mais idade, pode nunca ter sido orientada
adequadamente quanto à realização da higiene íntima. Isso acontece porque o
universo feminino sempre foi cercado de mitos e tabus aliados à pouca
informação sobre o funcionamento desse corpo tão complexo. Ainda temos muitas
mulheres com vergonha de tocar suas partes íntimas, mesmo que seja para a
realização da limpeza cotidiana. Então o primeiro passo é vencer essa barreira
consigo mesma e passar a conhecer seu corpo de forma tátil, explorando todos os
cantos, incluindo as dobras presentes nos seios e região da vulva e vagina. Não
se deve utilizar esponja, cotonete ou nenhum outro apetrecho para a limpeza,
sob o risco de provocar ferimentos. Os dedos deslizam com mais suavidade e
mobilidade entre as dobras da pele. A pele com a idade vai-se tornando mais
fina, frágil e vulnerável.
MRF - Qual a frequência dessa higiene e quais os
motivos?
CRG - A higiene íntima,
assim como tomar banho, deve ser diária. Além de eliminar odores, o asseio previne infecções e a proliferação de
fungos, sobretudo em nós mulheres, que temos a anatomia genital mais recolhida.
A vagina possui uma proteção natural, formada por bactérias benéficas (os Lactobacillos casei) que formam a
chamada “flora vaginal”. Essas bactérias são responsáveis por manterem o
ambiente mais ácido, impedindo a proliferação de outros micro-organismos
danosos (fungos, bactérias) que não conseguem se multiplicar nesse meio. Por
esse motivo, a escolha do sabonete é essencial, já que os sabonetes comuns
podem diminuir a acidez da vagina e facilitar o crescimento de fungos e
bactérias indesejáveis, provocando coceira, ardor, irritação e corrimento.
Optar por um sabonete indicado para higiene íntima é fundamental para a mulher
idosa, uma vez que ocorre diminuição da população de Lactobacillos casei após a menopausa, deixando naturalmente o
ambiente menos ácido e, portanto, menos protegido. Nesse caso, o sabonete
íntimo em sua versão líquida é o mais recomendado; o sabonete em barra pode
acumular sujidades e ser compartilhado com outras pessoas, sendo
desaconselhável seu uso para esse fim. As mulheres que fazem uso de absorventes
diários, como nos casos de incontinência urinária, precisam intensificar a
higiene íntima e realizá-la 3 ou mais vezes ao dia; o escape de urina pode
manter o meio úmido e facilitar a proliferação de fungos e outras bactérias.
Aconselhamos incluir, na rotina diária, o uso de lenços umedecidos (como
aqueles utilizados em bebês) após urinar ou evacuar. O lenço não é áspero e
evita o acúmulo de restos de papel.
MRF - Além dos
cuidados com a frequência da higiene íntima, quais outros cuidados você
aconselha?
CRG - Nos casos de
infecção urinária, que nas idosas é 50% mais frequente, um dos agentes
infecciosos mais encontrados são aqueles presentes nas fezes. Assim, o sentido
em que se deve realizar a limpeza, com o papel, lenço ou durante a higiene com
água e sabonete, é sempre da vagina para o ânus (da frente para trás). Isso
impede que micro-organismos presentes no intestino se desloquem para a região
vaginal. Outro importante cuidado refere-se à vulva que deve ter sua parte
externa muito bem enxaguada após o banho e bem seca com uma toalha macia e
limpa. Entretanto, não é necessário nem
desejável tentar lavar a parte interna. Da mesma forma, não se deve demorar
mais que 2 ou 3 minutos na lavagem íntima sob pena de provocar ressecamentos e
traumas na região.
MRF – Além da higiene
na região genital (já vista na parte I), quais outros aspectos são importantes
na higiene da mulher idosa?
CRG - Os seios devem ser lembrados e lavados
com cuidado com água e sabão, explorando bem a dobra debaixo do seio que deve
ser bem enxaguada e seca completamente. Para colaborar com a manutenção da
saúde íntima a escolha da roupa é fundamental. A primeira providência é
livrar-se das calcinhas e roupas apertadas, sempre que puder. Estudos demonstram que roupas muito justas, além de não permitirem a ventilação
desejada, ainda comprimem a pele da vulva, promovendo oclusão, fricção e
compressão, dificultando a circulação local. Potencialmente, podem alterar a
temperatura, a umidade e o equilíbrio acidobásico locais. Na lavagem da roupa, lembre-se de enxaguar muito bem as
peças para não ficarem restos de produtos de limpeza (amaciantes, sabão em pó
ou líquido, etc) que possam prejudicar a sensível pele das idosas.
Vejam só que interessante, dormir sem calcinha é um hábito
bastante benéfico, uma vez que evita a umidade excessiva e futuros problemas. O
uso de sutiãs firmes no dia a dia, porém sem causar muita compressão, é outra
medida importante; evite modelos com arames que podem machucar a parte inferior
dos seios. A prevenção continua sendo sempre o melhor caminho, porque auxilia
as pessoas a serem mais independentes e saudáveis. Vamos tirar as saias e
vestidos dos armários e sair por aí ajudando a ventilar o corpo.
MRF –
A frequência das visitas ao médico ginecologista para controle da saúde é
alterada com a idade da cliente? O que é aconselhável fazer?
CRG –. A maior parte dos ginecologistas recomenda
que a idosa deve consultar um especialista, no mínimo, uma vez ao ano para os
controles médicos gerais. No entanto, sempre que existirem queixas, observações
que resultam em dúvidas, imprevistos que tenham relação com as funções
femininas, alterações ou lesões percebidas, consultar o especialista é o mais
seguro. Há um mito, entre as mulheres,
que mulheres idosas não precisam ir ao ginecologista após a menopausa. Essa
ideia, além de falsa, é muito perigosa porque dificulta que a mulher frequente
um dos profissionais que melhor a ajudará a ter uma vida mais saudável e com
mais qualidade.
MRF – Estes cuidados
citados são fundamentados em pesquisas científicas?
CRG – Sim, há diversas publicações científicas, nacionais e
internacionais, apontando aspectos da higiene íntima e sua relação com a
ocorrências de lesões, infecções, incômodos e adoecimentos. Em 2009, a Federação Brasileira de Ginecologia
e Obstetrícia (FEBRASGO) lançou o Guia Prático de Condutas sobre a Higiene
Íntima Feminina cujas orientações apoiam-se em cerca de 120 estudos científicos
sobre o tema e mantem-se como referência até ao momento. Entretanto é importante apontar que ainda se
conhece pouco sobre as particularidades de saúde da mulher idosa.
MRF – Para terminar
a nossa entrevista, qual a mensagem a enviar aos nossos leitores?
CRG - Nunca é tarde
para (re)aprender e melhorar o nosso autocuidado, a nossa saúde e o nosso
bem-estar. Compartilhe estas informações para que um maior número de pessoas
tenha mais conhecimento e, consequentemente, possa ser mais saudável.