quarta-feira, 4 de março de 2020

Será que sei lidar com a solidão?


Se falamos de envelhecimento não podemos esquecer de falar de solidão. Com frequência são companheiras uma da outra. Muitas pesquisas têm mostrado que a solidão é muito comum na fase da “muito idade”. Os filhos criados e independentes, a distância cultural das novas gerações, a falta de ocupação decorrente da aposentadoria, a perda ou a incapacitação dos velhos amigos de sempre, a família sem a estrutura estável, as mudanças impostas pelas necessidades de auxílio e os problemas de saúde cada vez mais incapacitantes são as principais causas da solidão muitas vezes traduzida por abandono e sensação de rejeição. “Eu fui esquecido”.
            Ainda me lembro da minha casa quando eu tinha 38 anos. Era grande: três quartos, três banheiros, duas salas, um escritório amplo, alojamento para empregada, área de serviço espaçosa, quintal ensolarado para horta e jardim e garagem. Morávamos meu marido e eu, duas crianças – uma com 11 e outra com oito anos, e duas empregadas. Eu trabalhava meio período e gerenciava o contexto doméstico. Só conseguia estudar para o mestrado de madrugada, quando todos dormiam. Se me falassem de solidão na época eu pensava como seria bom ter algumas horas livres para pensar, refletir, assimilar minhas alegrias, conquistas e frustrações. O tempo livre era sempre escasso e eu sonhava com ele.
            A família cresceu, divorciei-me, as empregadas foram reduzidas, mudei-me para um apartamento em outro bairro, um dos filhos foi estudar fora da cidade, fui emprestada para outra universidade estadual por três anos e fui estudar na França com a minha filha durante dois anos. O meu mundo mudou e eu, enfim, tinha mais tempo para ficar sozinha. Gostei muito porque a liberdade para ir e vir aumentou, podia usar o meu tempo como eu quisesse, menos pessoas solicitavam minha atenção e poderia dedicar-me ao meu trabalho e às atividades de que gostava.
            Sempre ouvia falar em solidão e não sabia realmente o que sentimos quando temos solidão. É estar sozinha? Acho que não, porque até gosto de ter tempo para fazer as coisas que só podemos fazer sozinhos. O professor, historiador e filósofo, Leandro Karnal, em seu livro, O dilema do porco espinho – como encarar a solidão (Planeta do Brasil, 2018), afirma que o fato de não podermos controlar o nosso isolamento de outras pessoas é o que define a solidão. Muitas vezes quero companhia e, em outros momentos, preciso de isolamento. O controle dessas duas situações é a chave que transforma o bem-estar da privacidade em solidão. Dói não ter companhia quando a desejamos e é desconfortável querer estar com a atenção interiorizada e alguém solicitá-la além dos nossos limites. Afinal, é a falta de liberdade e controle da nossa vida o que nos incomoda. Enquanto o ficar só é essencial à nossa maturidade, a solidão é sentida como dor, desconforto, tristeza profunda e mal estar.
             O sentimento de solidão é tão frequente que quase se torna sinônimo da velhice. Os grandes centros urbanos e a vida moderna têm reforçado muito essa triste situação. O idoso torna-se um ser sem o direito e a capacidade de controlar sua própria vida e muito menos controlar a quantidade do seu isolamento. 
            As pesquisas ainda são muito poucas. Parece que a vida em residências ou lares para idosos não evita a sensação de solidão porque são os idosos que vivem em instituições aqueles que mais se queixam de solidão e apresentam sintomas de depressão com maior frequência. A reclamação recai sobre o afastamento das pessoas significativas e o estreitamento do círculo social. Os velhos amigos da mesma geração têm afinidades e vivências comuns e podem proporcionar um intenso conforto social. Portanto, todos os esforços devem ser dirigidos para manter a mobilidade e podermos ir até àqueles que nos fazem falta. A interação social é preciosa para nós.
            Um dia, em 1995, percebi que eu passaria a noite da passagem de ano sozinha e senti que não tinha vontade de encarar essa noite assim. Será que não haveria outras pessoas conhecidas que estivessem na mesma situação? Telefonei e encontrei três ou quatro amigos que gostariam de companhia nessa noite. Fizemos um lanche em que todos colaboraram, cantamos músicas conhecidas, contamos histórias e casos, contamos piadas, rimos muito de nossas aflições passadas, enfim, passamos uma noite muito boa. Aprendi a lição e a tenho repetido muitas vezes. Nós podemos manter o controle de nossas vidas durante muito tempo. É muito saudável.
            A primeira atitude positiva é admitir que precisamos da presença dos membros da nossa família, dos nossos amigos e das pessoas com quem temos ligações afetivas. O convívio com os elementos significativos mantém-nos alertas, motivados, autoconfiantes, com objetivos precisos, capazes de interagir e aprender, enfim, vivos. Uma pesquisa do Instituto Politécnico de Viana do Castelo (Portugal) demonstrou que quem sai de casa com mais frequência e tem múltiplas relações de amizade são os que menos se queixam de solidão e avaliam melhor a qualidade de sua vida.
             A segunda atitude aconselhável é impedir que a timidez bloqueie nossas iniciativas; apesar de difícil, temos que perder o medo de pedir ajuda. Não podemos nos “auto mutilar”.
             Outra “dica” que pode ajudar é treinar nossa criatividade para encontrarmos ou criarmos oportunidades de agrupar as pessoas ao nosso redor; precisamos delas e, talvez, elas de nós. Podemos organizar, entre os nossos amigos, reuniões, jantares, lanches, viagens, teatro, cinema, eventos musicais, passeios, atividades grupais como dança, canto, ginástica, jogos, trabalhos manuais e outras. Há pessoas que, naturalmente, criam vínculos e mantêm as pessoas unidas; outros têm que fazer algum esforço. Mas os benefícios que retornam mostram o enorme valor desse esforço.