Se
falamos de envelhecimento não podemos esquecer de falar de solidão. Com
frequência são companheiras uma da outra. Muitas pesquisas têm mostrado que a
solidão é muito comum na fase da “muito idade”. Os filhos criados e independentes,
a distância cultural das novas gerações, a falta de ocupação decorrente da aposentadoria,
a perda ou a incapacitação dos velhos amigos de sempre, a família sem a
estrutura estável, as mudanças impostas pelas necessidades de auxílio e os problemas
de saúde cada vez mais incapacitantes são as principais causas da solidão
muitas vezes traduzida por abandono e sensação de rejeição. “Eu fui esquecido”.
Ainda me lembro da minha casa quando
eu tinha 38 anos. Era grande: três quartos, três banheiros, duas salas, um
escritório amplo, alojamento para empregada, área de serviço espaçosa, quintal
ensolarado para horta e jardim e garagem. Morávamos meu marido e eu, duas
crianças – uma com 11 e outra com oito anos, e duas empregadas. Eu trabalhava
meio período e gerenciava o contexto doméstico. Só conseguia estudar para o
mestrado de madrugada, quando todos dormiam. Se me falassem de solidão na época
eu pensava como seria bom ter algumas horas livres para pensar, refletir,
assimilar minhas alegrias, conquistas e frustrações. O tempo livre era sempre
escasso e eu sonhava com ele.
A família cresceu, divorciei-me, as
empregadas foram reduzidas, mudei-me para um apartamento em outro bairro, um
dos filhos foi estudar fora da cidade, fui emprestada para outra universidade
estadual por três anos e fui estudar na França com a minha filha durante dois
anos. O meu mundo mudou e eu, enfim, tinha mais tempo para ficar sozinha.
Gostei muito porque a liberdade para ir e vir aumentou, podia usar o meu tempo
como eu quisesse, menos pessoas solicitavam minha atenção e poderia dedicar-me
ao meu trabalho e às atividades de que gostava.
Sempre ouvia falar em solidão e não
sabia realmente o que sentimos quando temos solidão. É estar sozinha? Acho que
não, porque até gosto de ter tempo para fazer as coisas que só podemos fazer
sozinhos. O professor, historiador e filósofo, Leandro Karnal, em seu livro, O
dilema do porco espinho – como encarar a solidão (Planeta do Brasil, 2018),
afirma que o fato de não podermos controlar o nosso isolamento de outras
pessoas é o que define a solidão. Muitas vezes quero companhia e, em outros
momentos, preciso de isolamento. O controle dessas duas situações é a chave que
transforma o bem-estar da privacidade em solidão. Dói não ter companhia quando a
desejamos e é desconfortável querer estar com a atenção interiorizada e alguém
solicitá-la além dos nossos limites. Afinal, é a falta de liberdade e controle da
nossa vida o que nos incomoda. Enquanto o ficar só é essencial à nossa maturidade,
a solidão é sentida como dor, desconforto, tristeza profunda e mal estar.
O sentimento de solidão é tão frequente que
quase se torna sinônimo da velhice. Os grandes centros urbanos e a vida moderna
têm reforçado muito essa triste situação. O idoso torna-se um ser sem o direito
e a capacidade de controlar sua própria vida e muito menos controlar a
quantidade do seu isolamento.
As pesquisas ainda são muito poucas.
Parece que a vida em residências ou lares para idosos não evita a sensação de
solidão porque são os idosos que vivem em instituições aqueles que mais se
queixam de solidão e apresentam sintomas de depressão com maior frequência. A
reclamação recai sobre o afastamento das pessoas significativas e o
estreitamento do círculo social. Os velhos amigos da mesma geração têm afinidades
e vivências comuns e podem proporcionar um intenso conforto social. Portanto,
todos os esforços devem ser dirigidos para manter a mobilidade e podermos ir
até àqueles que nos fazem falta. A interação social é preciosa para nós.
Um dia, em 1995, percebi que eu
passaria a noite da passagem de ano sozinha e senti que não tinha vontade de
encarar essa noite assim. Será que não haveria outras pessoas conhecidas que
estivessem na mesma situação? Telefonei e encontrei três ou quatro amigos que gostariam
de companhia nessa noite. Fizemos um lanche em que todos colaboraram, cantamos
músicas conhecidas, contamos histórias e casos, contamos piadas, rimos muito de
nossas aflições passadas, enfim, passamos uma noite muito boa. Aprendi a lição
e a tenho repetido muitas vezes. Nós podemos manter o controle de nossas vidas
durante muito tempo. É muito saudável.
A primeira atitude positiva é
admitir que precisamos da presença dos membros da nossa família, dos nossos
amigos e das pessoas com quem temos ligações afetivas. O convívio com os
elementos significativos mantém-nos alertas, motivados, autoconfiantes, com
objetivos precisos, capazes de interagir e aprender, enfim, vivos. Uma pesquisa
do Instituto Politécnico de Viana do Castelo (Portugal) demonstrou que quem sai
de casa com mais frequência e tem múltiplas relações de amizade são os que
menos se queixam de solidão e avaliam melhor a qualidade de sua vida.
A segunda atitude aconselhável é impedir que a
timidez bloqueie nossas iniciativas; apesar de difícil, temos que perder o medo
de pedir ajuda. Não podemos nos “auto mutilar”.
Outra “dica” que pode ajudar é treinar nossa
criatividade para encontrarmos ou criarmos oportunidades de agrupar as pessoas
ao nosso redor; precisamos delas e, talvez, elas de nós. Podemos organizar,
entre os nossos amigos, reuniões, jantares, lanches, viagens, teatro, cinema,
eventos musicais, passeios, atividades grupais como dança, canto, ginástica,
jogos, trabalhos manuais e outras. Há pessoas que, naturalmente, criam vínculos
e mantêm as pessoas unidas; outros têm que fazer algum esforço. Mas os
benefícios que retornam mostram o enorme valor desse esforço.