quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Como é difícil pedir ajuda!!!!!! (II)


Arte Sacra - Saco para coletar esmolas durante a missa, em veludo vermelho, bordado com fios de metal, do Séc XIX.

Continuação da postagem anterior...
            Várias pesquisas e estudos constatam que o homem tem maiores dificuldades que a mulher em relação a cuidados com sua saúde, frequentar os consultórios médicos, tratar dos dentes, adquirir aparelhos auditivos, usar os óculos e cuidar de si. Só o fazem quando a gravidade já atrapalha o trabalho ou as dores incomodam muito. Foram habituados a que “precisam ser fortes”, independentes, não podem se queixar, “não podem chorar”. Não podem ser vistos como frágeis, vulneráveis, limitados. As pesquisas demonstram que, nos homens, os problemas de saúde só são cuidados em fase mais adiantada, mais complicada e com menor chance de solução.
            Para o idoso, seja homem seja mulher, a ajuda de terceiros, o auxílio de profissionais ou dos familiares é o único recurso que lhes pode dar uma vida com bem-estar e melhorar sua sobrevivência.
            Vencer o medo, a vergonha, o orgulho ou a vaidade para pedir ajuda é necessário apesar de dolorido e difícil. E quanto mais cedo, melhor. As consequências de não expressar essa necessidade também traz muito sofrimento e muitos problemas.
            Hoje, compreendo melhor o meu pai. Ele deve ter sofrido muito por não ser capaz de vencer o seu orgulho. Sutilmente, recusava ir ao médico, pedir uma orientação profissional, pedir ajuda aos filhos. Foi roubado, não foi compreendido, aceitou que supuséssemos que ele não respeitava compromissos, não compreendíamos seus comportamentos anômalos, aceitou críticas, sofreu rejeições. Tudo por falta de compreensão nossa e conhecimento sobre estes aspectos do envelhecimento. Uma das grandes dificuldades do envelhecer é que os jovens nada sabem sobre o que os de muita idade sentem ou passam.
            Nós, quando percebíamos, oferecíamos auxílio, mas estávamos tão habituados a obedecer que aceitávamos pacificamente suas recusas. Como erramos!!!!! Fomos educados por ele a ser liberais, a aceitar que os demais tinham direitos de escolher o que queriam e que cada pessoa deveria ser respeitada nas suas particularidades. Jamais impúnhamos a nossa maneira de pensar.
            Portanto, temos que pedir ajuda quando for necessário. Temos que vencer as alegações que usamos, medo da rejeição, vergonha, orgulho ferido, vaidade, e enfrentar o “monstro” da solicitação de auxílio. Mas..…não é de qualquer forma. Se tomarmos alguns cuidados evitamos sofrimentos e aliviamos dores. A minha experiência diz-me que se pedirmos para pessoas que gostam da gente e são generosas, é mais fácil. É mais fácil pedir para pessoas pacientes que para aquelas que não têm tempo nem para si próprias. É mais fácil pedir para pessoas com muita idade, amigos, parentes idosos ou vizinhos do que para jovens que não podem entender tão bem nossas dificuldades. Os generosos vão gostar de nos ajudar, sentem-se úteis.
            A forma de pedir também pode ajudar. Facilita muito ser claro e objetivo quando conseguimos e tentar explicar muito bem como, quando e em quê precisamos de ajuda. Às vezes, é útil fazer uma lista, às vezes uma agenda, às vezes uma demonstração ou às vezes um desenho.
            Quando aguardamos um momento apropriado ou escolhemos um horário de tranquilidade em que o auxiliar pode nos dar atenção, os empecilhos serão minimizados. Pedidos mais complexos podem ser feitos em reuniões marcadas para se tratar do assunto.
            Pedir ajuda, sim, mas com discernimento e racionalidade. Escolher, com capricho   para quem pedir, quando pedir e como pedir.       

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Como é difícil pedir ajuda!!! (I)



 
Foto das mãos de avó e neto simbolizando um pedido de ajuda aos mais novos.

Quando percebi, estava chorando, as lágrimas caiam-me pelo rosto. Os meus dois filhos olhavam-me espantados e ficaram aflitos porque a mãe deles não costumava chorar. Eu também fiquei estranhando-me. Aquela aflição, a dor no peito, a sensação de aperto, sintomas irreconhecíveis! Que estranho! Nunca tinha acontecido comigo.
            Estávamos reunidos numa sala, conversando sobre as iniciativas burocráticas necessárias para terminar de passar para eles parte do meu patrimônio em Portugal. Eu sempre fizera isso, estava habituada a lidar com os bens, com os dinheiros, com os bancos, com os cartórios, com os advogados, com funcionários. Eu queria pedir que um dos meus filhos viajasse comigo até Portugal e me ajudasse nessas iniciativas. Sentia que não era capaz de, em alguns dias, tomar as providências necessárias. Tinha que fazer muito esforço para vencer algo interno e assumir que, agora, com a minha idade, eu não era tão capaz. Percebi que eu já não era aquela mulher independente, muito mais capaz de ajudar os outros do que ser ajudada. Nessa empreitada havia alguma coisa que exigia uma força que eu já não tinha. Estava habituada a motivar outras pessoas, a estimular os amigos, os alunos, os familiares para fazerem, tomar atitudes importantes, agirem. Agora, as coisas simples pareciam complicadas, ir de cá para lá, marcar horários, mover-me de um lugar para outro, parecia-me difícil, complicado, acima das minhas capacidades.
            Assumir e aceitar que eu precisava de ajuda, doía tanto que me fez chorar. Ultrapassar a barreira da minha autoimagem de pessoa capaz, forte, que enfrenta as dificuldades com facilidade e que resolve seus problemas sem precisar de pedir ajuda, transformou-se em um profundo sofrimento. Que vergonha pedir ajuda!!!!
            Pedir ajuda foi assumir meu limite, minha incapacidade, minha fragilidade. Mas, aos 76 anos temos que o fazer. É necessário contar com auxílios variados para manter a nossa qualidade de vida, o nosso bem-estar e a nossa integridade física e mental. O idoso precisa ultrapassar a sua vaidade, o seu orgulho e assumir a sua maior vulnerabilidade. É, talvez a única solução para os problemas que se instalam gradativamente e vão povoando a vida do idoso de dificuldades e limites.
            Quando eu estava decidida a divorciar-me, meu irmão, com uma crise de generosidade, disse-me que, se eu precisava de ajuda, precisava dizer como alguém me podia ajudar. Sem isso, ninguém tinha possibilidade de me ajudar. E eu estava muito atrapalhada, sem saber o que fazer. Ele só me poderia auxiliar se eu dissesse claramente, como e em que aspecto. Eu não estava habituada a pedir auxílio. Talvez pelo fato de ser a neta e a filha mais velha foi minha primeira experiência de assumir uma fragilidade. O fato de ceder e pedir ajuda, ajudou-me muito e me tirou de cima muitas dificuldades.
Continua na próxima postagem....

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Simão de Nantua e o asseio



 Jussieu, M de - História de Simão de Nantua ou O mercador de feiras. Traduazido por Philipe Pereira D' Araujo e Castro. Editado na Tipografia de Luiz Correia da Cunha. Lisboa. 1852.

Para quebrar a monotonia e fugir da rotina, apresento-lhes um texto de um autor do Séc. XIX, a título de curiosidade.

Uma história de Simão de Nantua*
Capítulo XIX – Simão de Nantua mostra a utilidade do asseio e, como até gente mais pobre pode ser asseada
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Quem é Simão de Nantua? É o protagonista das histórias escritas no livro “História de Simão de Nantua” ou “O mercador de feiras”, obra de M. de Jussieu, a quem a Sociedade de Instrução Elementar, estabelecida em Paris, conferiu o prêmio destinado, por um anônimo que se presume ser o duque de La Rochefoucauld, para o livro que parecesse mais conveniente à instrução moral e civil dos moradores da cidade e do campo. A primeira edição deve ter saído em 1817 ou 1818.
 Esse livro foi traduzido para a língua portuguesa por Philippe Pereira D’Araujo e Castro e publicado, em Lisboa, na tipografia de Luiz Correia da Cunha, em 1852.
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Desde Chalons até Amiens não paramos** em nenhuma cidade, mas fomos andando de aldeia em aldeia e, na maioria das vezes, por caminhos transversais. Isto, porém, não impediu que Simão de Nantua tivesse muitas ocasiões de satisfazer o seu gosto por conversar.
No primeiro dia da nossa jornada fomos surpreendidos por uma furiosa tempestade e abrigamo-nos em uma pobre cabana onde vivia uma mulher, que teria quarenta anos de idade, e com duas crianças. O marido parece que estava no campo. Só uma chuva tão copiosa poderia obrigar-nos a ficar neste lugar, em que se respirava um ar infecto, que parecia não ter sido renovado havia muito tempo.
Tudo naquela casa era excessivamente imundo, e as pessoas mesmas da mãe e dos filhos eram o que havia de mais imundo. Eu não podia suster o riso vendo o trejeito esquisito que este espetáculo obrigava a fazer a Simão de Nantua. Este não pode guardar silêncio por muito tempo e, falou à mulher nestes termos: - Sabeis vós, minha boa senhora, que a vossa casa não é das mais asseadas e que vos arriscais muito se não tiverdes mais cuidado no asseio da casa, dos filhos e de vós mesma. – Ah! Senhor, diz a mulher! Mas para isso era preciso ter os meios convenientes. Vós bem vedes que somos tão pobres. Isto é verdade, e eu vos lastimo de todo o coração. Mas entendeis vós que o asseio seja coisa dispendiosa? Custar-vos-ia dinheiro o ar que deixásseis entrar na vossa casa, ou a água com que lavásseis os vossos corpos e os vossos móveis? A miséria não pode desculpar a falta de asseio, porque afinal o ar e a água são coisas que pertencem a toda a gente***. Não sei como podeis viver aí! Esse desalinho vos custa mesmo mais caro do que pensais, pois é extremamente nocivo à saúde, e não era para espantar que tivesse maus resultados quanto à vossa saúde e à dos vossos filhos. Não há nada pior do que respirar sempre um ar infecto. Se deixardes cobrir de sordidez e de bichos os vossos corpos, isso será um princípio de deterioração de que podem resultar enfermidades muito graves. Vede como os animais vão mergulhar na água para limpar o seu corpo; o instinto os conduz a tomar este cuidado que é natural e necessário. Entendeis que seja coisa boa para a saúde a umidade que cobre as paredes da vossa casa? – Ah! Senhor, mas como se pode isso evitar? - Como? Não é preciso mais do que ter as paredes asseadas e renovar com frequência o ar da casa. Bem sei que não conseguireis expelir completamente a umidade, mas de certo a diminuireis muito. Também a louça em que se faz a cozinha parece-me que não é lavada muito a miúdo, e eu vos advirto que isso é mui perigoso. Olhai para a cara de vossos filhos, e vêde como está cheia de borbulhas! Isso pode aumentar-se a ponto de se formarem chagas. – Ah, meu Deus, que tão difícil é conservar o asseio! – mas eu vos torno a dizer que não custa nada. Por mais pobre que cada um seja não se deve fazer ascoroso aos olhos dos outros. Na verdade, minha boa senhora, eu vos repito o conselho; tende mais cuidado em tudo o que vos cerca, e ficai certa que achareis n’isso uma casta de comodidade, que há de suavizar a vossa situação.
Simão de Nantua teria ainda dito mais se não tivesse pressa de sair d’este mau ar, e vendo que a chuva havia cessado, despedimo-nos d’esta pobre gente, e continuamos o nosso caminho.
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*Nota da autora do blog – a ortografia foi atualizada, mas as palavras e o estilo, com raras exceções, foram mantidos.
**Nota da autora do blog – a história é narrada por um amigo e companheiro das viagens de Simão pelas feiras de mercadorias que aconteciam nas aldeias da França.
*** Nota da autora do blog – as aldeias situavam-se perto dos rios onde a população se servia de água à vontade.
Comentário da autora do Blog – Percebe-se que o autor do livro preocupava-se com “ares infectos”, denominados “miasmas” que, na época (1818), eram tidos como causa de muitas doenças. A Microbiologia só foi fundada na segunda metade do Séc. XIX por Louis Pasteur e, antes dela, era a teoria miasmática que explicava a origem das doenças.