sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Simão de Nantua e o asseio



 Jussieu, M de - História de Simão de Nantua ou O mercador de feiras. Traduazido por Philipe Pereira D' Araujo e Castro. Editado na Tipografia de Luiz Correia da Cunha. Lisboa. 1852.

Para quebrar a monotonia e fugir da rotina, apresento-lhes um texto de um autor do Séc. XIX, a título de curiosidade.

Uma história de Simão de Nantua*
Capítulo XIX – Simão de Nantua mostra a utilidade do asseio e, como até gente mais pobre pode ser asseada
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Quem é Simão de Nantua? É o protagonista das histórias escritas no livro “História de Simão de Nantua” ou “O mercador de feiras”, obra de M. de Jussieu, a quem a Sociedade de Instrução Elementar, estabelecida em Paris, conferiu o prêmio destinado, por um anônimo que se presume ser o duque de La Rochefoucauld, para o livro que parecesse mais conveniente à instrução moral e civil dos moradores da cidade e do campo. A primeira edição deve ter saído em 1817 ou 1818.
 Esse livro foi traduzido para a língua portuguesa por Philippe Pereira D’Araujo e Castro e publicado, em Lisboa, na tipografia de Luiz Correia da Cunha, em 1852.
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Desde Chalons até Amiens não paramos** em nenhuma cidade, mas fomos andando de aldeia em aldeia e, na maioria das vezes, por caminhos transversais. Isto, porém, não impediu que Simão de Nantua tivesse muitas ocasiões de satisfazer o seu gosto por conversar.
No primeiro dia da nossa jornada fomos surpreendidos por uma furiosa tempestade e abrigamo-nos em uma pobre cabana onde vivia uma mulher, que teria quarenta anos de idade, e com duas crianças. O marido parece que estava no campo. Só uma chuva tão copiosa poderia obrigar-nos a ficar neste lugar, em que se respirava um ar infecto, que parecia não ter sido renovado havia muito tempo.
Tudo naquela casa era excessivamente imundo, e as pessoas mesmas da mãe e dos filhos eram o que havia de mais imundo. Eu não podia suster o riso vendo o trejeito esquisito que este espetáculo obrigava a fazer a Simão de Nantua. Este não pode guardar silêncio por muito tempo e, falou à mulher nestes termos: - Sabeis vós, minha boa senhora, que a vossa casa não é das mais asseadas e que vos arriscais muito se não tiverdes mais cuidado no asseio da casa, dos filhos e de vós mesma. – Ah! Senhor, diz a mulher! Mas para isso era preciso ter os meios convenientes. Vós bem vedes que somos tão pobres. Isto é verdade, e eu vos lastimo de todo o coração. Mas entendeis vós que o asseio seja coisa dispendiosa? Custar-vos-ia dinheiro o ar que deixásseis entrar na vossa casa, ou a água com que lavásseis os vossos corpos e os vossos móveis? A miséria não pode desculpar a falta de asseio, porque afinal o ar e a água são coisas que pertencem a toda a gente***. Não sei como podeis viver aí! Esse desalinho vos custa mesmo mais caro do que pensais, pois é extremamente nocivo à saúde, e não era para espantar que tivesse maus resultados quanto à vossa saúde e à dos vossos filhos. Não há nada pior do que respirar sempre um ar infecto. Se deixardes cobrir de sordidez e de bichos os vossos corpos, isso será um princípio de deterioração de que podem resultar enfermidades muito graves. Vede como os animais vão mergulhar na água para limpar o seu corpo; o instinto os conduz a tomar este cuidado que é natural e necessário. Entendeis que seja coisa boa para a saúde a umidade que cobre as paredes da vossa casa? – Ah! Senhor, mas como se pode isso evitar? - Como? Não é preciso mais do que ter as paredes asseadas e renovar com frequência o ar da casa. Bem sei que não conseguireis expelir completamente a umidade, mas de certo a diminuireis muito. Também a louça em que se faz a cozinha parece-me que não é lavada muito a miúdo, e eu vos advirto que isso é mui perigoso. Olhai para a cara de vossos filhos, e vêde como está cheia de borbulhas! Isso pode aumentar-se a ponto de se formarem chagas. – Ah, meu Deus, que tão difícil é conservar o asseio! – mas eu vos torno a dizer que não custa nada. Por mais pobre que cada um seja não se deve fazer ascoroso aos olhos dos outros. Na verdade, minha boa senhora, eu vos repito o conselho; tende mais cuidado em tudo o que vos cerca, e ficai certa que achareis n’isso uma casta de comodidade, que há de suavizar a vossa situação.
Simão de Nantua teria ainda dito mais se não tivesse pressa de sair d’este mau ar, e vendo que a chuva havia cessado, despedimo-nos d’esta pobre gente, e continuamos o nosso caminho.
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*Nota da autora do blog – a ortografia foi atualizada, mas as palavras e o estilo, com raras exceções, foram mantidos.
**Nota da autora do blog – a história é narrada por um amigo e companheiro das viagens de Simão pelas feiras de mercadorias que aconteciam nas aldeias da França.
*** Nota da autora do blog – as aldeias situavam-se perto dos rios onde a população se servia de água à vontade.
Comentário da autora do Blog – Percebe-se que o autor do livro preocupava-se com “ares infectos”, denominados “miasmas” que, na época (1818), eram tidos como causa de muitas doenças. A Microbiologia só foi fundada na segunda metade do Séc. XIX por Louis Pasteur e, antes dela, era a teoria miasmática que explicava a origem das doenças.