Jussieu, M de -
História de Simão de Nantua ou O mercador de feiras. Traduazido por Philipe
Pereira D' Araujo e Castro. Editado na Tipografia de Luiz Correia da Cunha.
Lisboa. 1852.
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Para
quebrar a monotonia e fugir da rotina, apresento-lhes um texto de um autor do
Séc. XIX, a título de curiosidade.
Uma história de Simão de Nantua*
Capítulo XIX – Simão de
Nantua mostra a utilidade do asseio e, como até gente mais pobre pode ser
asseada
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Quem é Simão
de Nantua? É o protagonista
das histórias escritas no livro “História de Simão de Nantua” ou “O mercador de
feiras”, obra de M. de Jussieu, a quem a Sociedade de Instrução Elementar,
estabelecida em Paris, conferiu o prêmio destinado, por um anônimo que se
presume ser o duque de La Rochefoucauld, para o livro que parecesse mais
conveniente à instrução moral e civil dos moradores da cidade e do campo. A
primeira edição deve ter saído em 1817 ou 1818.
Esse livro foi traduzido para a língua
portuguesa por Philippe Pereira D’Araujo e Castro e publicado, em Lisboa, na
tipografia de Luiz Correia da Cunha, em 1852.
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Desde
Chalons até Amiens não paramos** em nenhuma cidade, mas fomos andando de aldeia
em aldeia e, na maioria das vezes, por caminhos transversais. Isto, porém, não
impediu que Simão de Nantua tivesse muitas ocasiões de satisfazer o seu gosto
por conversar.
No
primeiro dia da nossa jornada fomos surpreendidos por uma furiosa tempestade e
abrigamo-nos em uma pobre cabana onde vivia uma mulher, que teria quarenta anos
de idade, e com duas crianças. O marido parece que estava no campo. Só uma
chuva tão copiosa poderia obrigar-nos a ficar neste lugar, em que se respirava
um ar infecto, que parecia não ter sido renovado havia muito tempo.
Tudo
naquela casa era excessivamente imundo, e as pessoas mesmas da mãe e dos filhos
eram o que havia de mais imundo. Eu não podia suster o riso vendo o trejeito esquisito
que este espetáculo obrigava a fazer a Simão de Nantua. Este não pode guardar
silêncio por muito tempo e, falou à mulher nestes termos: - Sabeis vós, minha
boa senhora, que a vossa casa não é das mais asseadas e que vos arriscais muito
se não tiverdes mais cuidado no asseio da casa, dos filhos e de vós mesma. –
Ah! Senhor, diz a mulher! Mas para isso era preciso ter os meios convenientes.
Vós bem vedes que somos tão pobres. Isto é verdade, e eu vos lastimo de todo o
coração. Mas entendeis vós que o asseio seja coisa dispendiosa? Custar-vos-ia
dinheiro o ar que deixásseis entrar na vossa casa, ou a água com que lavásseis
os vossos corpos e os vossos móveis? A miséria não pode desculpar a falta de
asseio, porque afinal o ar e a água são coisas que pertencem a toda a gente***.
Não sei como podeis viver aí! Esse desalinho vos custa mesmo mais caro do que
pensais, pois é extremamente nocivo à saúde, e não era para espantar que
tivesse maus resultados quanto à vossa saúde e à dos vossos filhos. Não há nada
pior do que respirar sempre um ar infecto. Se deixardes cobrir de sordidez e de
bichos os vossos corpos, isso será um princípio de deterioração de que podem
resultar enfermidades muito graves. Vede como os animais vão mergulhar na água
para limpar o seu corpo; o instinto os conduz a tomar este cuidado que é
natural e necessário. Entendeis que seja coisa boa para a saúde a umidade que
cobre as paredes da vossa casa? – Ah! Senhor, mas como se pode isso evitar? -
Como? Não é preciso mais do que ter as paredes asseadas e renovar com
frequência o ar da casa. Bem sei que não conseguireis expelir completamente a
umidade, mas de certo a diminuireis muito. Também a louça em que se faz a
cozinha parece-me que não é lavada muito a miúdo, e eu vos advirto que isso é
mui perigoso. Olhai para a cara de vossos filhos, e vêde como está cheia de
borbulhas! Isso pode aumentar-se a ponto de se formarem chagas. – Ah, meu Deus,
que tão difícil é conservar o asseio! – mas eu vos torno a dizer que não custa
nada. Por mais pobre que cada um seja não se deve fazer ascoroso aos olhos dos
outros. Na verdade, minha boa senhora, eu vos repito o conselho; tende mais
cuidado em tudo o que vos cerca, e ficai certa que achareis n’isso uma casta de
comodidade, que há de suavizar a vossa situação.
Simão
de Nantua teria ainda dito mais se não tivesse pressa de sair d’este mau ar, e
vendo que a chuva havia cessado, despedimo-nos d’esta pobre gente, e
continuamos o nosso caminho.
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*Nota da autora
do blog – a ortografia foi atualizada, mas as palavras e o estilo, com raras
exceções, foram mantidos.
**Nota da
autora do blog – a história é narrada por um amigo e companheiro das viagens de
Simão pelas feiras de mercadorias que aconteciam nas aldeias da França.
*** Nota da
autora do blog – as aldeias situavam-se perto dos rios onde a população se
servia de água à vontade.
Comentário da
autora do Blog – Percebe-se
que o autor do livro preocupava-se com “ares infectos”, denominados “miasmas”
que, na época (1818), eram tidos como causa de muitas doenças. A Microbiologia
só foi fundada na segunda metade do Séc. XIX por Louis Pasteur e, antes dela,
era a teoria miasmática que explicava a origem das doenças.