sábado, 16 de novembro de 2019

O cérebro precisa de ginástica (I)


      
Bordado com fios de seda sobre linho, em 1852, por uma artesã portuguesa

Desde muito nova conscientizei-me que o comando geral do meu corpo estava situado dentro da caixa óssea da minha cabeça: o cérebro. A própria natureza tratou o cérebro como um órgão nobre e muito delicado oferecendo-lhe uma proteção óssea, tipo capacete, para protegê-lo. Também lhe ofereceu uma cobertura densa de cabelos para protegê-lo e aumentar a sua sensibilidade. Não é necessário tocar a pele da cabeça para saber que alguma coisa se aproximou; é só tocar num fio de cabelo.
            Com sua delicada estrutura, órgãos e seus neurônios, o cérebro humano comanda o sistema mais complexo do planeta e integra todo esse conjunto por meio de processos e mecanismos extremamente sofisticados. Ele comanda e controla, não só as atividades físicas (voluntárias e involuntárias) como, também, as mentais (memória, aprendizagem, cognição, raciocínio, reflexão e outras).
            Até à década de 60, os cientistas achavam que o cérebro era uma estrutura estática, inflexível, determinada pela genética, incapaz de se alterar ao longo da vida adulta.
            Nas décadas de 70 e 80 as pesquisas científicas vieram demonstrar que o cérebro foi construído para mudar em função das atividades e experiências vividas. Ele muda física e quimicamente, a partir da forma como é usado. Novas habilidades ou comportamentos exigem adequações nas conexões neurais que são realizadas por meio de novos neurônios e novas sinapses criando novos “percursos”. Além disso, várias substâncias químicas são produzidas em função das atividades e experiências exigidas do cérebro que, por sua vez produzem novas reações e sensações. 
Portanto, essas mudanças e adequações provocam alterações na plasticidade e funcionalidade do cérebro. É o que, aqui, estamos chamando de “ginástica”, ou atividade mental voluntária realizada para desenvolver essas reações. Ao se executar uma ação mental melhora-se essa capacidade e a própria estrutura do cérebro. É este efeito que explica o fato de aperfeiçoarmos uma habilidade exercendo-a constantemente, praticando exercícios com frequência. Nos bancos escolares exigem-nos a resolução de problemas, a prática de exercícios linguísticos, as leituras e estabelecimento de relações e outras atividades próprias da vida escolar para aprendermos, desenvolvermos potenciais e executar tarefas com maior competência.
As mudanças ocorridas pela constância na execução de uma atividade podem reduzir ou melhorar a habilidade ou capacidade. Sempre que uma atividade, um comportamento ou uma atitude é repetido muitas vezes e se torna automático, o cérebro fixa o “percurso” neural que o suporta e vai exigir muito mais esforço para mudar, enrijece-se.  Diz-se, popularmente que o velho é teimoso, tem pouca flexibilidade, não muda, torna-se empedernido. Possivelmente, seu cérebro está a caminho da “cristalização”; gosta de comer sempre o mesmo, sentar-se na sua poltrona muito usada, sair de casa para ir aos mesmos lugares, ouvir as mesmas músicas, repetir os mesmos caminhos, assistir aos mesmos programas e conversar com as mesmas pessoas sobre os assuntos de sempre. Esta repetição constante de ações e comportamentos impede o cérebro de flexibilizar-se, diminui a plasticidade cerebral. Falta-lhe “ginástica”.
Esses achados das pesquisas foram imprescindíveis para aperfeiçoar a maneira como se mantém a saúde mental e como se deve atuar na recuperação de lesões mentais. Seu estudo ainda está longe de estar completo, mas já se pode aplicar e obter benefícios para os seres humanos.
Paralelamente, o conhecimento sobre a evolução do indivíduo mostrou que o uso intenso do cérebro, vinte e quatro horas por dia, durante muitos anos, vai desgastando sua vitalidade e harmonia. A rapidez dessa deterioração depende, além das determinações genéticas, dos eventos acidentais de que é vítima, das lesões sofridas, de como suas células são cuidadas durante a vida, dos nutrientes que recebe, dos desafios físicos e mentais que lhe são impostos e das capacidades que lhe são exigidas.
                                                                                          Continua na próxima postagem....