CASAL - Escultura em bronze do artista brasileiro Vasco Prado (1914-1998) |
ENTREVISTA
com Amantino Ramos de Freitas, brasileiro, 79 anos, engenheiro civil, com
mestrado e doutorado nos Estados Unidos.
Atuou durante vinte anos como diretor da divisão de Madeiras do Instituto
de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT).
Fundador e atual vice-presidente da CPTI Tecnologia e Desenvolvimento, empresa
cooperativa de ex-funcionários do IPT; presidente da Sociedade Brasileira de
Silvicultura (SBS).
MRF – Você
escreveu um texto muito interessante sobre a importância dos bons
relacionamentos na saúde, bem-estar e longevidade dos seres humanos. Por que
esse assunto lhe chamou a atenção?
AR de F – Tenho
observado com frequência que muitos indivíduos que progridem na vida e alcançam
algum prestígio e boas condições sociais e econômicas, tendem a pensar que tudo
o que lhes acontece é resultado de sua inteligência e esforço e passam a
acreditar que são melhores que os demais e que esse sucesso lhes garante mais
privilégios e direitos. Essa
“superioridade” não lhes proporciona uma verdadeira felicidade; pelo contrário,
ficam frustrados com facilidade e podem se aborrecer profundamente com questões
irrelevantes. Por outro lado, as pessoas
que não se julgam tão importantes e que valorizam as pequenas alegrias cotidianas
e os seus relacionamentos familiares, sociais e afetivos, parecem desfrutar de uma
relativa felicidade. Essas observações
motivaram-me a ler e a refletir sobre os fatores que influenciam e determinam a
conquista da felicidade e da saúde nos seres humanos.
MRF – Você,
no seu texto, citou um estudo muito importante realizado pela Universidade de
Harvard sobre o que proporciona uma vida feliz, saudável e longa aos seres
humanos. Pode nos contar alguma coisa sobre ele?
AR de F – Posso,
sim. Trata-se de um estudo muito longo que
foi iniciado em 1938, denominado “Estudo sobre o desenvolvimento de adultos” na
Universidade de Harvard e que perdura até aos dias atuais. Esse estudo foi realizado com 724 adolescentes
provenientes de duas camadas sociais diferentes: um grupo foi constituído por
alunos da própria universidade filhos de famílias mais abastadas e o outro foi
composto por adolescentes carentes residentes em bairros pobres de Boston. Essa população foi acompanhada por meio de
questionários que incluíram questões sobre seus casamentos, satisfação no
trabalho e atividades sociais. A saúde
foi acompanhada por meio de exames a cada cinco anos.
Cerca de 60 homens que participaram do estudo ainda
estão vivos, a maioria com mais de 90 anos. Os pesquisadores agora pretendem estudar a
segunda geração, mais de 2.000 descendentes dos participantes do estudo
original. A ideia é identificar como as
experiências da infância influenciam a saúde na meia-idade.
MRF – E quais
as principais conclusões a que chegou a equipe de pesquisadores?
AR de F -
Numa conferência, em novembro de 2015, o professor de medicina psiquiátrica
dessa universidade e atual coordenador desse estudo, Robert Waldinger, afirmou
que não é a fama nem o dinheiro que determina a nossa sensação de felicidade, a
nossa saúde e o nosso tempo de vida e citou um estudo que mostrou que a meta
principal de 80% dos jovens da atual geração é o “ficar rico”. Afirma que o estudo de Harvard mostrou que existem
três fatores determinantes da felicidade, saúde e longevidade. O primeiro são as relações sociais porque “a
solidão mata”. As pessoas que têm mais
ligações sociais e de amizade são mais felizes, são mais saudáveis e vivem mais
tempo do que aquelas que se isolam. A experiência
da solidão acaba por ser tóxica. Em outras
palavras, os indivíduos com mais dificuldade de estabelecer interações sociais
e de amizade são menos felizes, tem a saúde deteriorada mais depressa, sua
memória e funcionamento cerebral diminuem mais cedo e vivem menos tempo.
O segundo
fator é a qualidade das relações próximas; viver no meio de conflitos é prejudicial
à saúde, enquanto conviver amistosamente protege a saúde. A qualidade dos relacionamentos é mais
importante que a quantidade.
Por último, o
estudo provou que os seres humanos têm necessidade de conviver de forma próxima
com pessoas com as quais podem contar em momentos de necessidade, sentem-se
mais protegidas e seguras. Mesmo nos
casos em que essas relações de proximidade tenham momentos difíceis, o fato de
sentirem segurança no outro auxilia no bem-estar dos indivíduos. A conferência do
Dr. Waldinger está disponível na Internet no site: https://www.ted.com/talks/robert_waldinger_what_makes_a_good_life_lessons_from_the_longest_study_on_happiness?language=pt.
MRF – Na sua
opinião, como esses fatores podem ser colocados em prática?
AR de F – As
possibilidades para se construírem boas relações são ilimitadas. Há soluções muito simples, como por exemplo,
substituir o tempo gasto em frente à televisão por contatos com amigos e
parentes, ou resgatar relações que esmaeceram e que podem ser recompostas. Nas horas
de folga podem-se criar oportunidades de tarefas em grupo, buscar participação em
trabalhos voluntários, prestar serviços a comunidades carentes, e outras
iniciativas similares. Guardar rancores
eternos, afastar-se de pessoas por motivos banais, manter e estimular rusgas
são comportamentos que podem ter efeitos negativos para a própria saúde e bem-estar.
Há mais de 100 anos, Mark Twain
(1835-1910), escritor e humorista norte americano, já dizia “A vida é curta –
não há tempo para discussões, desculpas, amarguras ou prestação de contas. Só há
tempo para amar e, mesmo para isso, é só um instante”. Parafraseando um grande amigo e renomado enólogo:
“a vida é curta para se tomar vinhos de má qualidade” ...