quinta-feira, 28 de janeiro de 2021
Uma história de Simão de Nantua sobre as vantagens das vacinas*
Para quebrar a monotonia e fugir da rotina, apresento-lhes um texto de um autor do Séc. XIX, a título de curiosidade e oportunidade.
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Quem é Simão de Nantua? É o protagonista das histórias escritas no livro “História de Simão de Nantua” ou “O mercador de feiras”, obra de M. de Jussieu, a quem a Sociedade de Instrução Elementar, estabelecida em Paris, conferiu o prêmio destinado, por um anônimo que se presume ser o duque de La Rochefoucauld, para o livro que parecesse mais conveniente à instrução moral e civil dos moradores da cidade e do campo. A primeira edição deve ter saído em 1817 ou 1818.
Esse livro foi traduzido para a língua portuguesa por Philippe Pereira D’Araujo e Castro e publicado, em Lisboa, na tipografia de Luiz Correia da Cunha, em 1852.
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Entrando na cidade de Bar-sur-Aube, eu** e Simão de Nantua ouvimos um tambor na rua. O que é isto? diz Simão de Nantua. Parece que é para dar algum aviso da parte do “maire” (prefeito da cidade). Logo que o tambor acabou o seu rufo o orador do “maire” se dispunha a pronunciar o seu discurso: mas Simão de Nantua, a quem a impaciência fez esquecer agora a polidez, cortou-lhe a palavra e exclamou nestes termos: “Habitantes de Bar-sur-Aube, vedes esta casa? Aqui mora uma criancinha que teve bexigas***, esteve à morte, e durante toda a sua vida há de trazer os sinais da moléstia que a desfigurou. Que pensaríeis vós de uma mãe, que tendo pão em casa, deixasse sua criança morrer de fome? Que pensais de uma mãe que deixa a sua criança exposta ao perigo de uma moléstia muitas vezes perigosa tendo ao seu alcance todos os meios de prevenir esse mal?”
“Uma tal negligência mereceria grave castigo. A beneficência do governo estabeleceu em toda a parte casas de vacina: todos vós podeis fazer vacinar vossos filhos, e aqueles que deixam de o fazer, por negligência ou obstinação, são culpados para consigo mesmos, para com o governo e para com toda a sociedade. Eles comprometem a existência da geração nascente alimentando um mal contagioso.”
“Quereis vós conservar vossos filhos? Ou quereis expor-vos a perdê-los ou vê-los desfigurados e talvez mesmo cegos, pois esta enfermidade tão temível é pela maior parte uma consequência das bexigas? Ah! Acreditai o que vos digo. Aqueles que desprezarem uma precaução que se torna um dever sagrado, hão de arrepender-se disso um dia. Quando o mal chegar, já não é tempo de o prevenir. Se ele acha a porta aberta entra, e então faz os seus estragos. Há gente que não duvida de nada, e diz “Nós veremos quando se der o caso”. Isso é gente louca. O homem avisado vê de longe e acautela-se. A felicidade não vem sem que a procurem; mas a desgraça, vem por si mesma. Quando vós edificais uma casa, não tomais todas as precauções contra o fogo? Pois os vossos filhos importam-vos menos do que a casa? Não é para vos tirar o vosso dinheiro que eu vos falo: o meu único fito é o vosso bem. É porque tenho andado um pouco por esse mundo, e visto o que se passa em diversos países. O que desejo é que do meu aviso saia algum proveito.”
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*Nota da autora do blog – a ortografia foi atualizada, mas as palavras e o estilo, com raras exceções, foram mantidos.
**Nota da autora do blog – a história é narrada por um amigo e companheiro das viagens de Simão pelas feiras de mercadorias que aconteciam nas aldeias da França.
*** Nota da autora do blog – “moléstia das bexigas” era o nome que se dava, no Séc. XIX, à varíola.