Quando
percebi, estava chorando, as lágrimas caiam-me pelo rosto. Os meus dois filhos
olhavam-me espantados e ficaram aflitos porque a mãe deles não costuma chorar.
Eu também fiquei estranhando. Aquela aflição, a dor no peito, a sensação de
aperto, sintomas irreconhecíveis! Que estranho! Nunca tinha acontecido comigo.
Estávamos reunidos numa sala, conversando
sobre as iniciativas burocráticas necessárias para passar para eles o meu patrimônio
em Portugal. Eu sempre fizera isso, estava habituada a lidar com os bens, com
os dinheiros, com os bancos, com os cartórios, com os advogados, com
funcionários. Eu queria pedir que um dos meus filhos viajasse comigo até
Portugal e me ajudasse nessas iniciativas. Sentia que não era capaz de, em
alguns dias, tomar as providências necessárias. Tinha que fazer muito esforço
para vencer algo interno e assumir que, agora, com a minha idade, eu não era
capaz. Percebi que eu já não era aquela mulher independente, muito mais capaz
de ajudar os outros do que ser ajudada. Nessa empreitada havia alguma coisa que
exigia uma força que eu já não tinha. Estava habituada a motivar outras
pessoas, a estimular os amigos, os alunos, os familiares para fazerem, tomar atitudes
importantes, agirem. Agora, as coisas simples pareciam complicadas, ir de cá
para lá, marcar horários, mover-me de um lugar para outro e tomar iniciativas
pareciam-me difíceis, complicadas, acima das minhas capacidades.
Assumir e aceitar que eu precisava de
ajuda, doía tanto que me fez chorar. Ultrapassar a barreira da minha autoimagem
de pessoa capaz, forte, que enfrenta as dificuldades com facilidade e que
resolve seus problemas sem precisar de pedir ajuda, transformou-se em um
profundo sofrimento. Que vergonha pedir ajuda!!!!
Pedir ajuda foi assumir meu limite, minha
incapacidade, minha fragilidade. Mas, aos 76 anos temos que o fazer. É
necessário contar com auxílios variados para manter a nossa qualidade de vida,
o nosso bem-estar e a nossa integridade física e mental. O idoso precisa
ultrapassar a sua vaidade, o seu orgulho e assumir a sua maior vulnerabilidade.
É, talvez, a única solução para alguns problemas que se instalam gradativamente
e vão povoando a vida do idoso de dificuldades e limites.
Quando eu estava decidida a divorciar-me,
meu irmão, com uma crise de generosidade, disse-me que eu precisava de ajuda,
precisava dizer como alguém me podia ajudar. Sem isso, ninguém tinha
possibilidade de me ajudar. E eu estava muito atrapalhada, sem saber o que
fazer. Ele só me poderia auxiliar se eu indicasse claramente, como e em que
aspecto. Eu não estava habituada a pedir auxílio. Talvez pelo fato de ser a
neta e a filha mais velha foi minha primeira experiência de assumir uma
fragilidade. O fato de ceder e pedir ajuda, ajudou-me muito e me tirou de cima
muitas dificuldades.
Várias pesquisas e estudos constatam que o
homem tem maiores dificuldades que a mulher em relação a cuidados com sua
saúde, frequentar os consultórios médicos, tratar dos dentes, adquirir
aparelhos auditivos, usar os óculos e cuidar de si. Só o fazem quando a
gravidade já atrapalha o trabalho ou as dores incomodam muito. Foram habituados
a que “precisam ser fortes”, independentes, não podem se queixar, “não podem
chorar”. Não podem ser vistos como frágeis, vulneráveis, limitados. As
pesquisas demonstram que, nos homens, os problemas de saúde só são cuidados em
fase mais adiantada, mais complicada e com menor chance de solução.
Para o idoso, seja homem seja mulher, a
ajuda de terceiros, o auxílio de profissionais ou dos familiares é o único
recurso que lhes pode dar uma vida com bem-estar e melhorar sua sobrevivência.
Vencer o medo, a vergonha, o orgulho ou a
vaidade para pedir ajuda é necessário apesar de dolorido e difícil. E quanto
mais cedo, melhor. As consequências de não expressar essa necessidade também
traz muito sofrimento e muitos problemas.
Hoje, compreendo melhor o meu pai. Ele deve
ter sofrido muito por não ser capaz de vencer o seu orgulho. Sutilmente,
recusava ir ao médico, pedir uma orientação profissional, pedir ajuda aos
filhos. Foi roubado, não foi compreendido, aceitou que supuséssemos que ele não
respeitava compromissos, não compreendíamos seus comportamentos anômalos,
aceitou críticas, sofreu rejeições. Tudo por falta de compreensão nossa e
conhecimento sobre estes aspectos do envelhecimento. Uma das grandes
dificuldades do envelhecer é que os jovens nada sabem sobre o que os de muita
idade sentem ou passam. Nunca foram velhos!!!
Nós, quando percebíamos, oferecíamos
auxílio, mas estávamos tão habituados a obedecer que aceitávamos pacificamente
suas recusas. Como erramos!!!!! Fomos educados por ele a ser liberais, a
aceitar que os demais tinham direitos de escolher o que queriam e que cada
pessoa deveria ser respeitada nas suas particularidades. Jamais impúnhamos a
nossa maneira de pensar.
Portanto, temos que pedir ajuda quando for
necessário. Temos que vencer as alegações que usamos, medo da rejeição,
vergonha, orgulho ferido, vaidade, e enfrentar o “monstro” da solicitação de
auxílio. Mas….não é de qualquer forma. Se tomarmos alguns cuidados evitamos
sofrimentos e aliviamos dores. A minha experiência diz-me que se pedirmos para
pessoas que gostam da gente e são generosas, é mais fácil. É mais fácil pedir para
pessoas pacientes que para aquelas que não têm tempo nem para si próprias. É
mais fácil pedir para pessoas com muita idade, amigos, parentes idosos ou
vizinhos do que para jovens que não podem entender tão bem nossas dificuldades.
Os generosos vão gostar de nos ajudar, sentem-se úteis.
A forma de pedir também pode ajudar.
Facilita muito ser clara e objetiva quando conseguimos e tentar explicar muito
bem como, quando e em quê precisamos de ajuda. Às vezes, é útil fazer uma lista, às vezes uma agenda, às
vezes uma demonstração ou às vezes um desenho.
Quando aguardamos um momento apropriado ou
escolhemos um horário de tranquilidade em que o auxiliar pode nos dar atenção,
os empecilhos serão minimizados. Pedidos mais complexos podem ser feitos em
reuniões marcadas para se tratar do assunto.
Um aspecto muito importante é que, como
alguns de nós teriam muito prazer em poder ajudar outras pessoas, há indivíduos
de todos os tipos e idades que, talvez, gostassem muito de nos ajudar. Será que
não se sentiriam mais úteis quando oferecem seu braço, seu ombro, sua
generosidade? Que prazer meu filho sentiu ao ajudar-me na ocasião em que
chorei! Como ele, muita gente tem prazer em ajudar; sentem-se pessoas melhores,
capazes de fazer o mundo ser melhor.
Pedir ajuda, sim, mas com discernimento e
sem temor. Escolher, com capricho para quem pedir, quando pedir e como pedir.
Talvez um dia você possa retribuir ajudando um outro indivíduo que precise e,
pode ter certeza, vai sentir-se muito bem.